terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Dacar - Diofior





Rota Dakar - Diofior
Depois de quatro dias em Dacar era altura de partir. A minha próxima etapa era Diofior onde o Moustapha me iria receber. Segundo as indicações dele a melhor forma de chegar a casa dele era apanhando o autocarro nº? (já não me lembro) que partia da central de Dacar ás onze. Depois o motorista que o Moustapha conhecia dir-me-ia onde devia sair do autocarro.
Cheguei á central de autocarros à hora que o Moustapha me tinha indicado e quando vi que o autocarro ainda estava praticamente vazio percebi que tinha uma longa espera á minha frente.
Fora do autocarro, o sol estava a pique e aquecia-me a cabeça, não existiam sombras, a atmosfera era poeirenta e cheia de fumo dos tubos de escape, dentro do autocarro era ainda mais quente. Fui comprar um saco de água fresca. A água vendida em sacos plásticos é muito mais barata que a de garrafa, a água é embalada em sacos, não são simplesmente sacos cheios com água, a água que se compra na rua está fresca porque os sacos ou garrafas são guardados dentro de malas térmicas cheias de gelo.
O autocarro foi enchendo devagar, eu comparava água de 30 em 30 minutos com o calor. Não me tinha lembrado de trazer lanche para a viagem mas comprei umas maças a um vendedor ambulante, e as pessoas que estavam perto de mim no autocarro ofereceram-me amendoins, bolachas, bananas... é sempre fascinante o espírito de partilha das pessoas nos países africanos que visitei, sempre que vão comer alguma coisa oferecem a toda a gente que está á volta. Até a música que estavam a ouvir nos headphones quiseram partilhar comigo. Uma senhora idosa deu-me umas grandes sementes para a mão. Perguntei o que era e não me soube explicar (mais tarde descobri que devia ser noz de cola), mas disse que era para aguentar melhor o calor e para dar energia. Ela também estava a mascar umas iguais e já tinha visto várias pessoas na rua a mascar sementes iguais. Trinquei, tinham um sabor amargo muito forte, não sei se foi efeito placebo mas algum tempo depois o calor pareceu-me um pouco mais suportável.
Finalmente, por volta das 13h ou 14h e já com o autocarro cheio partimos.
A primeira parte da viagem é lenta. Dacar fica numa península e todo o trânsito entra ou sai da cidade por uma de duas estradas. O resultado são filas enormes de carros a qualquer hora do dia.
À medida que nos afastamos mais de Dacar, os subúrbios, dão lugar à savana.
O relevo é relativamente plano, a erva verde cobre a terra vermelha e embondeiros espaçados salpicam a paisagem. Depois de Tatadem as pessoas começaram a saír nas suas paragens. Não era fácil saber onde estava porque raramente existiam placas e eu não tinha mapa.. Tentei falar com o motorista que supostamente conhecia o Moustapha, mas não percebi nada do que ele disse apesar dele dizer algumas palavras em francês.
Finalmente quando já só haviam 3 ou 4 pessoas no autocarro passámos numa tabuleta que dizia Diofior, fui falar de novo com o motorista, mas ele disse: Non! Plus tard! e fez-me sinal que voltasse para o meu assento. Deve ser nesta aldeia mas numa paragem mais a frente pensei. Mas logo a seguir o autocarro saiu da aldeia. Passados alguns quilometros noutra aldeia os ultimos passageiros sairam. Fui falar com o motorista mas ele voltou a responder: - Non. Plus tard.
O autocarro deu a volta e estava de novo a caminho de Diofior, mas antes de chegar, meteu por um caminho de terra até chegarmos a uma rua com casas/cabanas, o motorista parou o autocarro e mandou-me sair, chovia, o motorista apontou-me o portão duma casa. Bati à porta, apareceu o Moustapha.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Ilha de Gorée

Ilha de Gorée ou Ilha de Goreia
Gorée é uma pequena ilha, três quilómetros a este de Dakar.
Para ir a Gorée apanha-se o ferry no porto de Dakar e ao fim de 30 minutos de viagem desembarcámos noutro mundo. Enquanto que Dakar é cheia de caos, trânsito e stress, em Gorée não há asfalto nem carros e a vida corre devagar.
A ilha é pequena em tamanho (900 metros por 350) mas rica em história.
Os portugueses foram os primeiros a fixar-se na ilha em 1444, a ilha foi capturada pelos holandeses em 1588, reconquistada pelos portugueses, voltada a ocupar pelos holandeses, tomada pelos ingleses em 1664, capturada pelos franceses em 1677, tendo continuado quase sempre sob domínio francês até 1960, data de independência do Senegal, ainda assim com alguns breves períodos de domínio inglês durante as guerras anglo-francesas, notavelmente entre 1758 e 1763. Monumento aos escravos oferecido por Guadalupe
As diferentes potências europeias que ocuparam a ilha foram construindo as mansões coloniais que ocupam a ilha (segundo um habitante local as construções na ilha foram pintadas de acordo com o povo que as construiu e as amarelas incluindo a igreja teriam sido construídas pelos portugueses, infelizmente não encontrei nenhuma fonte de informação mais fidedigna que me pudesse confirmar ou desmentir essa crença).
A ilha é conhecida como ponto estratégico no comércio trans-atlântico de escravos e é frequentemente visitada por cidadãos de ascendência africana buscando aqui as suas raízes.
A "Maison des Esclaves" construída nos anos 1780 é o edifício histórico da ilha que melhor representa a tragédia da diáspora africana. Neste local, (o último dos centros de comércio de escravos da ilha)hoje em dia um museu, os escravos, chegados de outras partes do Senegal, eram contados, pesados e separados por idade, sexo e condição física antes de serem embarcados para o novo mundo.
Cada uma das celas com cerca 2,60 por 2,60 metros albergava entre 15 a 20 pessoas com os pescoços e pulsos acorrentados. Eram desacorrentados apenas uma vez por dia para fazerem as suas necessidades e se alimentarem. As condições de higiene eram precárias e a espera pelo navio que os levaria a atravessar o Atlântico podia durar até três meses. As famílias eram separadas e era possível que o pai fosse vendido no Brasil, a mãe no Haiti e os filhos no sul dos Estados Unidos, tudo dependia dos compradores interessados.
Apesar de célebre, a importância de Gorée no tráfico de escravos é sobre valorizada, apenas algumas centenas de escravos eram "processadas" aqui em cada ano o que é pouco comparado com os milhares de escravos que partiam de localizações como St. Louis ou Banjul, na foz dos grandes rios Senegal e Gâmbia, importantíssimos neste comércio.arte ao ar livre
A história da ilha é pesada, mas o ambiente fora da "maison des esclaves" é feliz e relaxado.
A ilha é frequentada tanto por turistas como por habitantes de Dacar que vem para usufruir um dia na praia de águas límpidas. As antigas casas senhoriais têm varandas e pátios ajardinados, as ruas são ladeadas de buganvilias e nas praças existem bancos de madeira onde se pode descansar á sombra dos baobabs. Junto á praia existem algumas pequenas pensões e é possível almoçar na esplanada de diversos restaurantes com vista para a baía. Por toda a ilha artesãos e artistas expõem o seu trabalho, é como uma enorme galeria de arte ao ar livre.
Conheci alguns desses artistas quando fui dar uma volta pela ilha, todos eles se mostraram contentes em mostrar as suas obras e a forma como trabalham. A maioria tenta complementar a venda e produção de artesanato com outras actividades sejam essas criação de gado, agricultura de subsistencia ou venda de "erva" aos turistas.Praia em Gorée

Passei algum tempo a conversar com alguns dos artesãos que me convidaram para tomar chá e ficaram surpreendidos por eu ser capaz de identificar as plantas que eles cultivavam (feijões e milho). Terminei a tarde na praia e voltei a Dacar a tempo do jantar.Praia em Gorée













quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Dakar 3






O Natham era simpático mas andava cheio de trabalho e estava sem tempo para me mostrar a cidade por isso parti sozinho outra vez.
Perdi grande parte da manhã na embaixada da Mauritânia. Afinal ia precisar de fotocópias, tal como o meu "guia" do dia anterior me tinha dito, mas só na altura de passar a fronteira e não precisavam de ser autenticadas, tinha sido enganado pelo "mon ami" e o policia que tive que subornar pela autenticação das fotocópias devia estar feito com ele, mas felizmente aprendi a não dar importância a pequenas coisas como essa, afinal perdi apenas dois euros com o golpe e o tipo devia precisar mais deles que eu.
Para ir da casa do Natham até ao centro da cidade tinha apanhado um taxi, mas agora para voltar tinha muito tempo (e não queria gastar muito)por isso tentei apanhar um autocarro. Não consegui encontrar um que fosse directo, mas apanhei um que fez uma parte do caminho. Lembrei-me de ir a pé o que faltava até Ouakam, mas afinal era mais longe do que aquilo que estava à espera.
Farol de Mamelles
Gostei de Ouakam, é um bairro bem mais relaxado que as ruas do centro da cidade, a zona residencial do bairro recebe poucos turistas por isso os preços são mais baratos e fáceis de negociar, as pessoas mais afáveis e não existem aqueles tipos chatos que nos seguem para todo o lado tentando vender-nos bens ou serviços que não queremos. Em Ouakam respira-se calma as pessoas cumprimentam-se (e cumprimentam-nos) na rua e o vendedor de fruta mostra-se contente em conversar enquanto vende as suas mangas. Existem alguns campos de futebol sempre cheios com grupos de miudos a jogar, e a certas horas do dia vêem-se algumas pessoas (brancos e negros) a fazer jogging pelas ruas.
De praticamente qualquer espaço aberto em Ouakam é possível ver dois montes perto do mar "les mamelles" chamados assim porque com a sua forma cónica se assemelham a dois mamilos. Um deles é encimado por um farol, o outro por uma estátua gigantesca.
Ao fim da tarde o calor era menos intenso por isso decidi passar por casa vestir uns calções e ir dar uma corrida até aos dois mamelles.Almadies vista de Farol de Mamelles
Do farol a vista impressiona, o mar está muito perto e consegue ver-se quase toda a cidade; as Almadies e Ngor com as suas praias e vivendas ajardinadas, o aeroporto, Ouakam, Yoff, Mermoz até aos edifícios de escritórios da Medina e do Plateau no centro da cidade.
No outro mamelle o que impressiona são os 52 metros da estátua de bronze construída no seu topo (a estátua da liberdade em NY tem 46 metros).
A estátua representa um casal com um bébé nos braços apontando o céu e simboliza o renascimento do povo e do continente africano (Monument de la Renaissance Africaine), admirado por alguns e odiado por muitos este monumento é altamente controverso na sociedade sengalesa. A critica mais comum é o custo elevadissimo da obra (23 milhoes de euros) num país em que faltam estruturas básicas como escolas ou hospitais. Mas muitas pessoas apontam também o dedo ao financiamento pouco transparente das obras, ao anúncio publico do Presidente Abdoulaye Wade reclamando para si 35% das receitas geradas por visitas ao monumento e estruturas adjacentes alegando direitos de propriedade intelectual sobre este e indicando o seu filho como presidente do conselho de administração da fundação que vai gerir o monumento. Monument de la Renaissance Africaine
Muitas pessoas criticam igualmente o estilo "Estalinista" do monumento e o facto da sua construção ter sido entregue a uma empresa estatal Norte Coreana. Diversos imans locais consideraram o monumento anti-islâmico por ser idólatra (uma vez que representa uma figura humana) e/ou pela semi-nudez (considerada ofensiva) do homem e mulher representados. O criticismo ao monumento foi tão generalizado que levou mesmo a manifestações populares exigindo a demissão do presidente Wade.
No entanto muitas pessoas admiram a grandeza da obra e esperam que esta constitua um simbolo importante para estimular o povo senegalês, melhorar a imagem do país e atrair turistas.